terça-feira, maio 31, 2005

O menino pepino.

O vento bate doído na cara, é frio, corta, gela. Ele sabe o que faz, só pode. Penso, e isso me persegue. Vejo a vida naufragando em versos oblíquos, oblongas estrofes dispostas nas linhas como retalhos em uma toalha de mesa. Completando a parte que foge, de si mesma para si mesma, a parte que foge da outra parte, que completa, complementa. O pão já não preenche, a água não sacia, e quando vejo quanto vale aquela guria, me desespero, coro, esperneio e corro com pressa, pra ver se existe outra forma de alegria. Sucinta digestão, foi só um rocambole à moda antiga, breve sentirei fome novamente, de que importa? Pare com a digressão. Busque o fio do fim do dia. É a alergia, espirro, coceira, faz mal, tem também a bosta da taquicardia, quando esqueço e tomo um descongestionante nasal. Não posso lidar. Sou hipocondríaco, choro lágrimas de diamante, que nunca caem, nunca vêm, e nunca me farão ir adiante. O mesmo beijo que enleva, é aquele que lambe, corrompe e umedece os tempos. Não fosse o erro, a dor-de-dente, já me teria ido pelos ventos. “Jaz aqui um homem muito valente”, e isso é coisa que se diga? Que se escreva? Matem os leigos latentes! Os medíocres que se fazem adjacentes! Estou em campanha. Vale mais ver uma palavra que dói do que blasfemar assim sem jeito. Prefiro a excomunhão. São todos bárbaros lazarentos. Piores do que eu, e muito. Vou também morrer sem jeito, do mesmo jeito que vivi sem jeito, e quero palavras sem jeito na minha lápide, mas diferentes dessas daquele sujeito. Fiz sem jeito aqui uma exigência. Pronto. Vem, tigela, corta meu cabelo, “és cura panacéia”, para todos os males, liquida num só movimento. E o jeito? Que jeito, menino? Há jeito não! Pare com essa querela do jeito! Há sim. Há de ter jeito sim. Não há não, mulher, sou sem jeito, enjeitado, como há de se ter jeito? Tendo ué. Mas não tem, mulher. Vai pentear macaco então, ora. Vou, mas já aviso, vou que vou sem jeito. Jeito pra vida não sei como é, jeito pra morrer também nem imagino, só sei que preciso desconversar e achar algum tino, um rumo, um teco do destino, que me faça ver com outra lente, que me faça fazer algo imponente. Só que sou impotente. Estrume incompetente. Falo com os outros, que não me escutam, mas comigo falo diferente, falo sem coceira de palavra, sem garganta doída de poeira da linguagem. Precisava conseguir falar mais com os outros. Precisavam - os outros, eu não!, porque não sei, sou sem jeito - inventar outro jeito de falar, outra linha de palavras, que não desse mais motivo nem espaço pra palrear. É isso mesmo, acho que consegui dizer, o preciso é uma língua que não dê espaço pra palrear. Pepino bonito vó! Não vou levar menino, tá assombrado. Que que é pepino estar assombrado, tia? É pepino apodrecido. Mas eu achei este pepino tão bonito, mãe, leva pra mim, leva?! Não dá, menino, não vê que sua avó e sua tia não vão deixar. Mas eu quero muito, mãe. Tá bom, menino, pode mandar embrulhar. O pepino que imagino por dentro, não é o mesmo por fora, só assim manifesto meu instinto. Sou menino novo, bobo mas nem tanto, sou como o pepino, de um jeito por fora, de outro diferente por instinto. Ninguém vê, ninguém nunca me passou a faca pra ver como é, como sou, ou talvez ainda como vou ser. Queria poder me repartir em dois. Mostrar o meu âmago tinindo. Núcleo indistinto, um pouco indigesto, mas lindo, meu lindo âmago brilhantino. Não há verdade em minhas palavras, tampouco desatino ou desafeto, mas o que falo é um pouco do que há dentro do pepino. Quando chegar em casa, vou falar pra tia, pra mãe, pra avó, pra quem mais quiser ouvir e agir, que se parta aquele pepino, o mesmo que dantes deram por apodrecido, mas que de tanto insistido, aqui pra casa foi trazido. Sou bobo. Não tanto. Quero ver o que há dentro. Dentro das coisas. Do menino. Do pepino. Da mulher, Do velhote assassino. Pois então que partam o pepino!, e vejam como ele é por dentro, que não o dêem por perdido, que não o joguem fora sem tê-lo partido, pois é mais um dos pepinos, de um jeito por dentro, de outro por fora, assim como todos os meninos pepinos, enjeitados em seus destinos por seus desatinos.