quinta-feira, março 24, 2005

A moça das mãos belas.

- Aposto que suas mãos nunca se aproximaram da cozinha.
- Acertou.
- De onde você tirou mãos tão belas? Como foram concebidas?
- Realmente não sei.
- Seus dedos são tão delgados, sua pele fresca, macia.
- Obrigada. Posso saber seu nome?
- Não importa meu nome, importa apenas o nome de suas mãos.
- Elas não têm nome. Você me parece estranho.
- Sim. Admito que estou um pouco perturbado com suas mãos, mas não se preocupe.
- Você me dá licença? Preciso ir.
- É tão importante assim o que você tem de fazer?
- Realmente não, mas estou incomodada com sua atitude.
- Já lhe disse, não se preocupe. Estou comovido.
- Com minhas mãos?
- Sim.

Alguns segundos eternos se passaram calados. O café, ligeiramente sujo, se enchia de famintos elegantes que vinham tomar seus desjejuns. Aquele café, na esquina do bulevar, sustentava notável garbo, apesar das pilhas de xícaras e vasilhas que qualquer freguês podia entrever sobre a pia.

- Eles demoram demais para nos atender – Estraçalhou o silêncio polar dos dois, a moça das mãos.
- Realmente, têm muitas pessoas para serem atendidas – Replicou o velho.
- Um café expresso sem açúcar, por favor - Pediu a moça das mãos.
- Dois – complementou o velho.
- O que você faz da vida, meu senhor? – Procurou ser gentil, a moça.
- Admiro suas mãos.
A moça riu constrangida, e depois um pouco irritada disse:
- Vamos parar com essa brincadeira tola, estou perdendo a paciência já. Por que não conversa normalmente comigo? Conversas com estranhos no início do dia podem ajudar. Não acha?
- Não sei. Meus dias são todos iguais. Mas, com certeza ter conhecido estas mãos tão belas me fará diferença. Posso toca-las? Somente por alguns segundos, por favor?
- Tudo bem.
A moça cedeu-lhe as mãos generosamente, num gesto de notável complacência.
- Obrigado – agradeceu o velho -, salvou meu dia.
Levantou-se, reverenciou cordialmente a moça, e se misturou à multidão amorfa que andava agitada pelas calçadas do bulevar.