quinta-feira, abril 07, 2005

Em busca da terra perdida.

Em busca da terra perdida

Em busca da terra perdida, eu saio, naufrago, esqueço para trás minhas quimeras coloridas, quero a perfeição, a técnica inaudita, a harmonia desconcertante. Não consigo, não atinjo, isso não é coisa assim fácil, ou melhor: atingível – diga-se de passagem. No meio do caminho encontro um carneiro, na verdade trombo com ele; maldito carneiro embusteiro, me atrasa, me atrapalha, ensaia me enganar com seus ardis sutis, porém me esclarece. Diz coisas belas sobre os montes longínquos, me conta algo terno sobre as crianças saltitantes do inferno feliz, não posso crer tanto assim, o carneiro deveras me parecia embusteiro.
Sigo minha peregrinação tresloucada em busca do panteão dos deuses estetas - prescindo do safado do carneiro. Não sei onde fica, não entendo as placas, me perco em meio aos inúmeros atalhos que só me atacam com suas garras da confusão. Surge Setembrina, minha messias, redentora, sublime, pertinente, me indica o caminho das pedras, objeto: “este caminho é muito suntuoso, falho, difícil, assombroso”, ela me adverte, admoesta de que o caminho mais difícil leva à mais elevada apoteose, e assim tendo dito, se dissipa junto com as brumas montanhescas.
Não sei a verdade, o caminho das pedras não me mostra trilha, seqüência, caminho sequer a ser seguido; por outro lado: vejo o descer da montanha, não, posso então seguir o leito do córrego de águas agitadas, ou quiçá parar e esperar que o frio congele minhas aspirações. Hesito, oscilo, tudo se apresenta turvo em um décimo de segundo, supero, decido. Por fim, encaro o impossível, olho sisudo para o limbo em forma de pedras afiadas e intransponíveis, que me amedrontam por preceito rigoroso, natural; sim, vou ter com elas alguma conversa, algum tempo, ou alguma tentativa; o espírito buliçoso, que em mim faz sua morada, esperneia, grita, se debate; ele jamais permitiria que eu cometesse algo tão medíocre quanto esperar a neve me congelar; tampouco permitiria que eu voltasse para levar a vida atada, cômoda, e insustentável, que me espreita lá da cidade azul; com as imposições do espírito irrequieto, só me resta enfrentar o caos assustador dos pedregulhos, sigo em frente, com a coragem juvenil dos mártires.

Tiago Muzulon.