sábado, abril 02, 2005

A verdadeira explicação da vida, por Setúbal.

Posso ver, posso ver os luminosos brilhando em Braille no bulevar enfadonho da cidade azul. Posso tocar, posso palpar a sarjeta suja cheio de bêbados melindrosos chorando por suas falências infinitamente intermináveis. Posso ouvir, posso ouvir ladainhas hipócritas e ridículas de padres inclementes perante a dor dos fiéis omissos e inócuos, que sofrem, penam, e latejam por não haver sentido em suas vidas. Posso cheirar, posso cheirar o ranço dos negros depravados que se aglomeram nas ruas boêmias da periferia para ganhar algum trocado, vendem pó, maconha, bala, droga para todo tipo de sortilégio mental. Posso degustar, posso saborear a porra, o liquido de lubrificação da vagina de Dolores, aquele sabor acre, forte, dolorido como a vida inteira de Dolores. Posso compreender, compreendo com minha razão saliente a verdadeira verdade do mundo, a falta de percepção aguçada, a ausência de seres milagrosos, a proeminência da estupidez sobre a irrelevância, tudo se perfaz em droga. Entendo, entendo que tudo está muito acima da minha cabeça, e que jamais compreenderei a verdadeira natureza dessa estória toda, chamada existência.