domingo, maio 08, 2005

Os aindas de Sofia.

O caminho de casa nunca é tão difícil, mas naquela noite... Sofia receia o que está por vir, ou o que poderia. Ensaia lágrimas, mas elas se recusam a brotar por uma simples suposição, ou nefastas conjeturações. Sofia só escuta o vento frio zumbir e o toque seco de seus sapatos no piso duro da calçada.

Sofia ama seu marido, seu maior medo é ser traída, e está desconfiada disso. Saul é só um magricela glutão, daqueles que o metabolismo funciona com máxima proficuidade. E espera todas as noites sua esposa voltar da faculdade. Seu maior medo é que ela seja assaltada, assassinada, ou até estuprada. A cidade anda violenta nesses tempos e o ponto de ônibus onde Sofia salta dista uns cinco quarteirões.

Enquanto avança os passos, o coração aperta-lhe a respiração, sua intuição lhe acossa. Pensa no marido, pensa em outras mulheres, pensa em si, ajeita os peitos e o cabelo, pensa em ter filhos: não, o marido ainda não gostaria e ela ainda não tinha terminado a faculdade, eram tantos aindas que Sofia sente vertigens - sua vida toda estava encalacrada em aindas e mais aindas. Sobe as escadas com medo, um medo estranho, nunca tinha sentido isso - medo devia ter era na rua, no trajeto ponto-casa. Seu apartamento é no segundo andar, abre a porta com descaso, quase num chute, tem no rosto uma expressão de pânico, corre até o quarto sem deixar seus materiais, abre a porta e o marido está sentado mexendo no computador: “Oi, o que houve? Está toda descabelada! Veio fugida?”. “Não meu bem, estava preocupada com você, só isso”.