sexta-feira, abril 29, 2005

Vó Caçula.

A velhinha é uma vivente de talento mesmo, chegou aqui ontem e não me deixou sossegado, contou cada estória cabeluda, outras engraçadas, uma vida e tanto. Ela não se cansa de relatar mortes escalafobéticas, assassinatos por causa de garimpo de diamantes, acidentes bizarros.

Meu bisavô era comerciante de diamantes, vivia viajando dos garimpos do Mato Grosso pro Rio de Janeiro, a fim de vender por melhores preços suas preciosidades. Diz ela, que ganhou muito dinheiro com isso, tinham avião e tudo mais. Meu bisavô adorava cinema e teatro, teve um tempo que nem compensava mais tanto assim vender os diamantes no Rio, havia muita despesa com a viagem, e já havia compradores em Uberlândia - cidade mais próxima que o Rio - que pagavam quase tão bem quanto lá. Mesmo assim, meu bisavô insistia em suas viagens quinzenais ao Rio. Assim que chegava, fazia seus negócios no mesmo dia e passava outros três ou quatro perambulando pela Confeitaria Colombo, Teatro Municipal, Cinemas dos quais ela não se lembra o nome, e demais passeios. Ela – minha bisavó - nem sempre o acompanhava, mas quando não ia, meu bisavô contava-lhe tudo pormenorizado, inclusive resenhava oralmente as peças e os filmes que tinha visto. Minha bisavó era muito apaixonada por ele mesmo, relembra o passado com os olhos – já quase cegos – brilhando. E nunca prescinde de tecer copiosos elogios ao meu bisavô.

Homem ardiloso. Conta ela que certa vez, meu bisavô acabou fazendo um mau negócio, comprou por quarenta contos de réis um diamante que virou buzo. Diamante virar buzo era um diamante com algum defeito, e que a especulação de outros compradores queimava-lhe o preço. Meu bisavô, não notando o pequeno defeito, e estando desinteirado de informações sobre aquele diamante buzo, acabou pagando essa fortuna, valor que talvez ele até valesse mesmo, mas que nenhum outro comprador pagaria, simplesmente por já estar ‘queimado’, ou outro comprador já ter oferecido valor muito inferior. Quando se atinou do prejuízo que tomava, correu logo para amenizar os danos. Levou o diamante para ser lapidado no Rio, em um conhecido dele, e fez desse diamante dois anéis de brilhante. Um deles, em seu retorno ao Mato Grosso, foi vendido por trinta contos de réis para a mulher do sacana que tinha lhe passado o mesmo diamante, pois ele já estava feito em anel, bonito, trabalhado, valia esse preço, e ela não sabia que era o antigo diamante buzo. O outro anel de brilhante – metade do antigo diamante buzo - foi apostado em uma eleição para prefeito na cidadezinha onde viviam – Tesouro -, em troca de um caminhão de fumo. Meu bisavô ganhou a aposta e levou o caminhão de fumo para seu bolicho (bolicho era tipo mercearia que vendia de tudo; meu bisavô para diversificar a sua economia, tinha de tudo, inclusive um bolicho). Conta minha bisavó, que esse fumo ganho na eleição durou por uns dois anos no bolicho, tamanho era a quantidade de fumo. Conta também, as ‘narquias’ – como ela diz – que meu tio-avô fazia para vender esse fumo a um tal de Antônio Piçarra. Seu Tonho Piçarra não gostava desse apelido, e onde ouvia alguém lhe chamar assim, distribuía toda a sorte de ofensas e xingamentos cabeludos. Meu tio-avô, ainda garoto e funcionário do bolicho, vendia-lhe fumo dizendo: “Chega mais seu Tonho, aqui tem fumo do bom e do melhor, e aqui a gente não desrespeita o senhor chamando de Tonho Piçarra. Esse povo não vê o quanto esse nome Tonho Piçarra é feio”. E assim lhe vendia o fumo, repetindo o tempo todo a ofensa. E seu Tonho Piçarra dizia: “Eu chego mesmo, pois só aqui que eu sou respeitado, nunca mais vou comprar noutros bolichos, o povo fica só troçando de mim. Esses menino do Seu Otávio é que são menino bom, respeitadô, educado”.

Feliz da vida, meu bisavô, em outra oportunidade, apostou novamente o anel de brilhante, do antigo diamante buzo, com um sujeito que tinha um casebre na ponta de uma rua. Ganhou novamente. O casebre ficou fechado por algum tempo, até que surgiu um senhor que vivia em uma fazendinha e queria uma casinha na cidade para poder se mudar e levar os filhos ao colégio, pois já estavam crescidos. Meu bisavô, então, trocou com ele o casebre por boa parte de sua terra. Nessa terra, meu avô – filho do meu bisavô – construiu um ranchinho onde ia passar os fins de semana com minha avó. Gostou tanto de lá, que acabaram se mudando. Depois de algum tempo, minha avó se cansou, meu avô conseguiu um emprego bom em uma cidade distante, mudaram-se então, e o ranchinho foi se deteriorando com o tempo. Esses dias, meu avô vendeu a terra do ranchinho, que era chamado de fazenda Água suja, ou fazenda Veneza – há divergências na família – e mandou-me alguma quantia, de presente. E hoje, eu ouvi toda essa estória, sem querer, da boca de oitenta e quatro anos da minha bisavó saudosista.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Olá, Tiago. Obrigado por visitar o blog.

Eu tenho uma avó como a sua, contadora de estórias. Ela sempre fala de como a cidade era bem melhor antes, conta estórias do meu avô. Gosto de conversar com ele. Me dá um senso de realidade. Ou irrealidade. Não sei.

Abraço.

10:42 AM  

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