quinta-feira, abril 14, 2005

A vez do momento; do caso sem alento.

Isabela quer Pedro;
Quer que Pedro a pegue em casa,
escondido dos pais, a leve para a noite,
Quer que a beije, a afague, e a encha de afeto,
aquele mesmo que se mostra incompleto.
E Pedro faz,
Pega-a com seu carro velho,
e a leva escondido de seus pais,

Pedro é ébrio, demais por ausente,
Isabela sonha, vê na noite a glória,
A glória do amor com Pedro,
O mesmo Pedro inconseqüente.
Por que te pego assim, Isabela?
Vou escondido de meus pais, Pedro.
Pedro bebe, Isabela não, Pedro não se importa.
A noite é agitada.
Outrora, Pedro tentou persuadir Isabela, em vão,
Que não quis, justificou não sendo arrazoado,
Disse que tinham amizade sólida, não podiam,
Não deviam, e não queria desmanchar até então;
Pedro nem tanto se importou,
Não fez tanta falta assim,
Logo acabou nos braços de outra uma,
Uma outra qualquer por aí.
Mas agora, Isabela esta de volta,
Lá dos confins do outro mundo,
Veio pra cá de onde mora,
Para a Pedro recobrar o passado,
Do amor, para ele, já atrasado.
Pedro não chorou, da outra vez,
foi normal;
Já Isabela, por demais meditou,
naquela outra vez,
Pois afinal,
Pedro era sim bom moço,
Moço bom-bonito-belo e elegante,
Por que não com Pedro ficar algum instante?
Agora já é noite agitada,
Pedro já vai alto,
em sua embriaguez,
Isabela sonha,
Acometida agora de certa sensatez,
Pedro também quer,
Mas não perde mais seu tempo.
Pedro sai da roda,
Diz que vai buscar uma bebida,
Isabela lamenta um pouco,
De Pedro a pequena escapulida.
Isabela então se prepara,
Para Pedro abordar,
Com sutilezas e sem máscaras,
O velho-amor lhe recobrar.
Pedro no caminho, desanda, desatina,
Encontra outra menina,
Com jeito de bailarina, e lábios de nectarina;
É essa a Setembrina,
Que lhe roga um gole da pinga,
Daquela velha dolorida,
E um pouco embrutecida.
Pedro não se importa,
pois alto mesmo já ia,
Depois a moça suspira,
Dizendo que não se satisfaz,
Talvez um beijo lilás,
Ou quem sabe um abraço mordaz.
Pedro não se surpreende,
Pois já estava mesmo,
Era longe demais.
Um beijo furtado não é nada.
Para a agonia de Isabela,
É tudo e algo mais.
Para o deleite de Setembrina,
É só mais um beijo que se faz.
O que Pedro não sabe,
É a dor da Isabela menina.
Pedro se faz mole,
Um bobo-bobão inerte;
Setembrina lhe pega pelos cabelos,
E Isabela se rói pelos cotovelos.
Pedro nada sente,
Só pudores de Isabela,
que faz como que nada fosse,
assim tão importante para ela.
Setembrina é desleixada,
Vil, infame e ocre,
Como a velha água-doce.
Pedro se arrepende,
Do tempo perdido com Setembrina.
E o que ele ainda não sabe,
É dos ciúmes da Isabela menina.
Isabela disfarça as lágrimas,
O resto da noite é tenso,
Pedro não entende,
Mas mesmo assim lhe cede seu lenço;
Pedro leva-a para casa,
escondido de seus pais,
Isabela adormece,
E então a mágoa se perfaz.
Triste pela noite,
A mão no coração,
Triste por Pedro,
Triste pela vida,
E pela fuga em vão.
E Pedro não entende,
Vai embora carente,
Pensa em Isabela,
Vislumbra a baboseira já póstuma,
Podia ter sido indulgente.
Isabela inclina suas lágrimas doces,
De dama com intenções nubentes,
Desfalecidas pela maldade,
De Setembrinas impertinentes.
Pedro de seu leito, já sóbrio,
Responde-lhe com lágrimas ternas,
Lágrimas de algodão,
Lágrimas tardiamente condescendentes.
Pedro se vê só e vazio,
Na multidão de rostos indolentes,
Que configuram suas mais altas orgias,
Dionisíacas, exaltadas e incongruentes.
Pedro agora dorme,
Isabela também,
Talvez o mundo já não mais possa,
Deleitar esse casal inocente.

Tiago Muzulon.