quinta-feira, abril 21, 2005

Uma noite inefável na vida de um alguém.

Os cabelos caíam-lhe negros e volumosos pela fronte, escondendo os tão belos olhos. Eu já estava embriagado, no alto das quatro horas da madrugada. Ela sentada no sofá da sofisticada casa noturna, os pés descalços pendendo nus de cima das almoçadas de couro negro do suntuoso sofá. Meus olhos desacreditaram, e depois se sentiram contemplados pelos deuses estetas da beleza humana. Aproximei-me, pessoas se amontoavam ao seu redor, pessoas, não soube quem eram, só via a cabeça dela recostada nas almofadas superiores do sofá, triste, e com os cabelos a tamparem-lhe a fronte.
Num lampejo, já me vi ali, inteiramente seduzido, sentado ao seu lado. E num gesto impetuoso de magnetismo, passei-lhe minhas mãos com diligência por sobre a cabeça. Ela se manteve inerte, senti-me seguro e prossegui com os afagos, cada vez mais ternos, cada vez mais castos. Eu encerrava toda a minha atenção naquele gesto, naquela cena, naquela imagem da menina triste, com os cabelos escondendo-lhe a fronte, e minhas mãos a afaga-la.
Algo aconteceu e despertou a bela menina, que aproximou-se mais de mim, aninhou-se em meu ombro esquerdo e perguntou meu nome. Arthur, respondi-lhe, se não quiser falar-me o seu, não me importo. Isabelle, por que não falaria meu nome? Você me é tão gentil.
Seus olhos brilhavam enquanto me proferia tais palavras. Sua voz era aveludada, nunca ouvira uma voz tão profunda e sedutora. No mesmo instante, imaginei, em flashes, aquela garota em um cabaré francês do início do século vinte cantando canções envolventes, com aquela voz aveludada. Confesso que parecia-me mais menina do que concluí que fosse quando ouvi-lhe a voz. Mas isso apenas agravava seus encantos.
Deu-me um beijo úmido e viscoso na bochecha, e pediu-me algo para beber, estava com sede, poderia ser água, ou um refrigerante.
Com grande zelo dirigi-me até o bar e pedi a encomenda. Quando notou meus modos gentis, sorriu-me copiosamente. Desabei em ternura e encantos. A garota era muito mais do que eu precisava.
Acabo de romper com meu namorado, disse-me, ele é um babaca. Combinamos de nos ver aqui, atrasei um pouco em função de alguns contratempos em casa e, quando cheguei, vi-o aos beijos com uma de minhas amigas. É deprimente, desde então estou aqui, arremessada no limbo lastimável deste sofá., entregou-me estas palavras sem evitar as lágrimas. Olhei-a complacente, fiz-lhe um afago mais quente, e disse-lhe para que não se preocupasse, pois o tempo passaria e a ferida convalesceria.
Num súbito, um tanto intempestivo, beijou-me a boca, já eram seis da manhã e eu estava ali a acarinhar-lhe e ouvir suas palavras de voz aveludada, já sabíamos o suficiente um do outro, e a noite precisava de um beijo para ser selada. Quando interrompeu o beijo, disse-me que havia esquecido o namorado, que eu estava dentro dela à partir daquele momento, e que me ligaria mais tarde. Passei-lhe o número, beijei-lhe a testa com um muxoxo seco, disse-lhe novamente que não se preocupasse, e fui embora contente, após dar uma olhadela para seu sorriso já convalescente.