domingo, março 27, 2005

A noite, sem dono, tão menina.

É uma redoma, infinita em sua limitação. Às vezes, dizem que é preciso ter fôlego. Fico comovido com observações dessa espécie, entretanto, esta comoção sobe por minha espinha dorsal sem lisura, desbocada, desmedida.
Não sou tão poeta assim, tampouco filósofo, mas, vejo a vida entrecortada, e ela me vê aguçada. As trombetas solenes da revelação reverberam doloridas em meus tímpanos condescendentes. Prefiro a bossa nova. Não me queixo, como faz a maioria dos meus contemporâneos, só quero viver em paz. Em finais de noite, pelo submundo afora, todo mundo precisa de uma cerveja para dormir, em paz. Confesso uma coisa garotada: um pouco de esquizofrenia sempre ajuda, garanto. Nem sempre belas bundas deixam de se entupir com cerveja por motivos quaisquer, elas podem estar tristes. E ela, em frente ao motel, disse: não.
Escritores desconhecem o real sentido das palavras, dos termos. Os conceitos, não sabem.

Como se fosse possível não encarar.

Vejo a noite como um cego tateia a face de uma bela garota, e se admira. Ouço tudo, há um filósofo dentro de mim, insano, e ele grita com o poeta, aquele outro que em mim, também, reside. Misto banal, repetido, clichê de seres existentes e renitentes no aquário hermético que minha vida representa. Eu preciso fali-los, desnutri-los, para poder enfim: viver em paz.

sábado, março 26, 2005

Seu Oswaldo e seu 'submundo'.

Série: Escritos de guardanapo.


Seu Oswaldo tem um bar em uma esquina da cidade vazia. Ele toca bar já há dezesseis anos. Sempre deixa a TV e o som ligados. Já se acostumou a ler os lábios dos atores e dos apresentadores de programas de entrevistas e telejornais. Passa todos os dias em seu bar, recebendo amigos, bêbados, e todo tipo de gente a fim de se embriagar e jogar uma sinuquinha. A diversão dos pobres é muito limitada mesmo, mas, sempre conseguem se divertir, é incrível. O submundo se passa em uma redoma côngrua. Seus integrantes se matam, se devoram, se entorpecem, amam, e pensam, apesar dos limites, e isso tudo se justifica, se conforma, não sei como. Pode parecer paradoxal, mas há congruência. São personagens anônimos, condicionados a serem qualquer coisa, por qualquer coisa.

- E aí, resolveu sair da toca hoje? – Questiona-me, Seu Oswaldo.
- Pois é. Ficar em casa sempre incomoda, eu preciso ver o mundo - Respondo.
- Hoje vai ter Alquimia, fica ali na rua de baixo.
- Legal, acho que vou acabar indo pra lá.
- Eu toco, sei tocar – Seu Oswaldo.
- Ah é, legal. Que tipo de música o senhor Toca?
- Raul, gosto de tocar Raul e música sertaneja. Mas sabe como é, acabo tocando sempre o que a moçada pede. E gosto, gosto mesmo é de tocar, seja lá o que for.
- Entendo. Isso é bom. E por que o senhor não monta um som aqui em seu bar e toca?
- Já não tenho mais voz suficiente, tô rouco. Fui em São Paulo me consultar com o melhor médico de voz, ele me passou tratamento com fono. Fiz por seis meses, não adiantou nada. Voltei lá e ele disse que poderia me operar, aí ficava bom. Mas sabe quanto custa essa porra de cirurgia?
- Não, quanto?
- Quinze mil reais. Mandei o cara ir se fuder. Não tenho esse dinheiro.
- É, mas a voz é assim mesmo, vai acabando junto com a agente. Eu nunca tive voz, mas acho que deve ser assim.
- É. É uma grande bosta. Mas eu escrevo músicas também.
- Pó Seu Oswaldo, legal. O senhor é um artista mesmo.
- Pois sou ué. Mas... E as cocotas? Cadê?
- Não sei, seu Oswaldo. Estão por aí, nesse mundo louco.
- Você não é viado não, é?
- Não, não. Não sou.
- Elas vão mais tarde ali no Alquimia.
- Poxa, se essa cerva me inspirar eu acabo indo pra lá também.
- Mas... Diga-me uma coisa, Seu Oswaldo: O senhor gosta de tocar esse bar?
- Quer saber mesmo: eu gosto. Eu tinha um boteco lá na rua de cima, de lá não gostava muito não, mas esse aqui eu gosto pra cacete, sabe como é, vem só amigo, parceiro, camarada, esse tipo de gente chegada, sabe? E isso é muito bom. Naquele outro, a galera ‘muvucava’ e não consumia. Porra, toma no cu deles, só jogavam sinuca e davam raiva. Aqui não, aqui a galera bebe, consome, me dá lucro, entende?
- Perfeitamente, Seu Oswaldo.

Sim, o submundo é deslumbrante, ele é orgânico. Achava que não havia impressões nesse mundo, que as pessoas não pensavam, que não correspondiam com ação a um pensamento prévio. Mas me enganei, como me engano todos os dias. Achava que eram apenas pessoas opacas, vazias, que vinham ao mundo pra cumprir tabela, pra ser mais um operário na fábrica, pra ter um boteco e vender cerveja a jovens desocupados como eu, pra ouvir música ruim, e, de vez em quando, surtar e estuprar alguma menininha da burguesia. O submundo é pujante, ele deveras baseia e sustenta o mundo em que vivemos. Ele é fonte de inspiração de poetas bêbados, é reduto de lamentação para queixosos, é uma confraria de pessoas caóticas imersas, como peixinhos tolos, no turbilhão do mundo. Não sei se isso faz sentido, mas eu preciso viver esse submundo, eu preciso palpar a vida dessas pessoas tão estranhamente belas. Preciso me perder por aí, um pouco.

quinta-feira, março 24, 2005

A moça das mãos belas.

- Aposto que suas mãos nunca se aproximaram da cozinha.
- Acertou.
- De onde você tirou mãos tão belas? Como foram concebidas?
- Realmente não sei.
- Seus dedos são tão delgados, sua pele fresca, macia.
- Obrigada. Posso saber seu nome?
- Não importa meu nome, importa apenas o nome de suas mãos.
- Elas não têm nome. Você me parece estranho.
- Sim. Admito que estou um pouco perturbado com suas mãos, mas não se preocupe.
- Você me dá licença? Preciso ir.
- É tão importante assim o que você tem de fazer?
- Realmente não, mas estou incomodada com sua atitude.
- Já lhe disse, não se preocupe. Estou comovido.
- Com minhas mãos?
- Sim.

Alguns segundos eternos se passaram calados. O café, ligeiramente sujo, se enchia de famintos elegantes que vinham tomar seus desjejuns. Aquele café, na esquina do bulevar, sustentava notável garbo, apesar das pilhas de xícaras e vasilhas que qualquer freguês podia entrever sobre a pia.

- Eles demoram demais para nos atender – Estraçalhou o silêncio polar dos dois, a moça das mãos.
- Realmente, têm muitas pessoas para serem atendidas – Replicou o velho.
- Um café expresso sem açúcar, por favor - Pediu a moça das mãos.
- Dois – complementou o velho.
- O que você faz da vida, meu senhor? – Procurou ser gentil, a moça.
- Admiro suas mãos.
A moça riu constrangida, e depois um pouco irritada disse:
- Vamos parar com essa brincadeira tola, estou perdendo a paciência já. Por que não conversa normalmente comigo? Conversas com estranhos no início do dia podem ajudar. Não acha?
- Não sei. Meus dias são todos iguais. Mas, com certeza ter conhecido estas mãos tão belas me fará diferença. Posso toca-las? Somente por alguns segundos, por favor?
- Tudo bem.
A moça cedeu-lhe as mãos generosamente, num gesto de notável complacência.
- Obrigado – agradeceu o velho -, salvou meu dia.
Levantou-se, reverenciou cordialmente a moça, e se misturou à multidão amorfa que andava agitada pelas calçadas do bulevar.

terça-feira, março 22, 2005

Colcha-de-retalhos.

É só mais uma colcha-de-retalhos; uma gama infinita de influências; um misto de anseios benevolentes e resultados malogrados. Uns pedaços são purpúreos, outros rutilantes, ou rubros. A seção opaca é separada, linearmente definida, porém existe com a mesma intensidade da outra seção. As cores se mesclam de acordo com seus tons; as sensações não, essas se fazem renitentes, ariscas. A luz serve apenas para refletir o que já está impresso; o reflexo, por vezes, afugenta o olhar detalhado, cauteloso. – Bárbaro, isso é bárbaro! – exclamou o ponto azul celeste. – Não pode ficar assim louvando com clichês, precisa argumentar. – Retrucou o branco neutro. – Os argumentos faltam para esses coloridos vivos, são todos tolos embebidos em suas vaidades. – Disse agressivo o azul escuro. – Irmãos de colcha – bradou o justo cinza –, não vamos nos desentender. – Pediu complacente.
E assim viviam as cores, discutindo eternamente suas sutilezas e desejos, na colcha-de-retalhos.
E também, eu não sei o que me incomoda mais, se é viver subjetivo ou objetivamente.

Fascínio, palavras, demência, palavras.

Samba; eu sambo; as palavras sambam, esperneiam doentes. Eu quero palpa-las, mas não posso assim, tão fácil. Eu entrevejo o horizonte de letrinhas miúdas em uma folha de papel amarelo, letrinhas miúdas, letrinhas sisudas. O papel aceita tudo, o profeta disse-me um dia; nem tanto, retorqui com ligeira agonia. Eufórico; ele estava eufórico, as condições nunca foram tão dignas. Meu contato com o mestre foi breve, talvez suficiente, quem sabe inevitável. Não estou eufórico, sou uma alegoria, uma ilusão. A avenida se enche de papel picado, papel picado cheio de letrinhas; letrinhas que dizem tudo, letrinhas que se completam, letrinhas que faltam. O pensamento é multidimensional; o papel é unilateral, não permite invenção, não permite gritaria, não permite euforia, tampouco dislexia. Onde está ancorada a vanguarda? Eu quero toca-la, ouvir sua algazarra. Não posso, ela dista demais de mim, e não a encontro, não hoje, não ontem, não amanhã, talvez nunca.

É.

É, o maldito(a) tem razão. Dei uma revisada rápida em tudo e fiz o que pude; encontrei muita coisa mesmo, é uma grande bosta não revisar. É bom receber broncas assim para que eu pare e releia tudo. Tem razão.

segunda-feira, março 21, 2005

Conto Tango de Rodrigo Neves, reformulado, com licença.

Susana, ao abrir a porta, ouviu-o dizer que ainda a amava, que na verdade, por todo esse tempo, ele nunca deixara de ama-la. Ainda era cedo. Susana mal havia despachado os filhos ao colégio e o marido ao trabalho. Passaram-se anos, ele disse, até tomar a decisão de procurar Susana, mesmo sabendo da possibilidade de não ser recebido. Disse também, que sabia o mal que havia feito, justificou-se culpando os jovens, que são todos desatinados. Era uma simples manhã de dezembro, já quente, aonde o maior calor ainda viria. Em dias assim, pessoas como Susana, se sentem expostas, mesmo dentro de casa. Susana também não podia deixar um estranho entrar assim, pegaria mal, soaria estranho. Além disso, Susana ainda estava de camisola, sem escovar os dentes. Talvez ela até se lembrasse daqueles olhos escuros, daqueles lábios rosados. Mas como de manhã não se raciocina direito, houve outros olhos, outros lábios; a claridade da rua quase cegava. Susana, por fim, achou melhor fechar a porta. Escorou-se nela, olhou a casa na penumbra demoradamente, e agastou-se por terem vindo recobra-la a juventude àquela hora, justo a aquela hora, e daquele jeito.

quarta-feira, março 16, 2005

Hoje eu vi um filme.

Hoje eu vi um filme. Ele me fez ver que já existe geração abaixo da minha; que já existem outros garotos, com outros problemas, com outras idéias, e outras formas de burlar a realidade. Eu estou ficando adulto, e isso me incomoda, a adolescência me permitia uma sensação glamourosa, uma sensação central de atenção. Eu era distinto, melhor, diferente. A adolescência é uma fase onde as puerilidades se misturam organicamente com as velhacarias; é quando se sente o melhor e mais capaz do mundo, por ainda enxergar a inocência. É possível caracterizar isso, é possível tornar poesia, é doce viver, é doce sofrer. Mas depois tudo cessa, tudo muda. As pessoas se tornam opacas, indefinidas, e vão cada vez mais perdendo a vontade de caracterizar as coisas. Cada vez mais as pessoas tentam se apegar ao passado, e aí se tornam nostálgicas, ou esquecem de vez. Eu não quero mais ver qualquer filme, ler qualquer livro, ouvir qualquer música. Quero algo que mude minha vida, assim como mudava facilmente há algum tempo atrás. Mas minha vida já está bastante mudada, não sei se há mais como mudar, e é como se a cada mudança eu me engalfinhasse com a profundidade, e me emaranhasse mais e mais, sempre tendendo para baixo, ou para cima, dependendo do ponto-de-vista. O certo é que não há volta. As mudanças são irredutíveis, e também inevitáveis. Não dá mais pra protelar a responsabilidade, não da mais pra protelar a mediocridade de espírito. Não sei o que ainda pode ser feito. Talvez eu deva aceitar tudo e seguir cabisbaixo. Talvez eu deva assumir a responsabilidade adulta de modo distinto, como eu achava que seria, na fase resplandecente. Mas agora não é assim, encarar as vicissitudes da vida não é assim coisa fácil. Eu quero mudar minha vida então, mais e mais vezes, sem parar, até encontrar o ponto ideal, a experimentação perfeita. Os filmes são belos, eles mudam as vidas de pessoas como eu. Queria viver como em filmes, ter a coragem e a audácia dos personagens, encarar as contingências com a naturalidade peculiar deles. Viver absorto em uma película de filme preto-e-branco, sem cores fortes e ofuscantes, sem problemas da vida comum, sem rotina doentia. Eu amo a vida, e vou fazer dela um filme; meu filme predileto.

domingo, março 13, 2005

A inexistência do dualismo sob o prisma sociológico.

O bem e o mal inexistem. Os opostos são nada mais do que pontas de uma massa complexa, amorfa e integrada; constituída de elementos que se justapõem e interagem mútuos e constantemente. Com estas conclusões a filosofia avança rumo ao incerto. Direto para as entranhas vorazes da especulação ontológica que, através da qual, passo agora a questionar o dualismo platônico, e a noção de extremos. De acordo com minha acepção, o dualismo platônico que diz respeito a extremos opostos complementares formando uma massa compacta e bipolarizada, cai por terra ao considerar a esfera da vida social humana. Na sociedade humana, não há essa definida e delimitada divisão, nem entre bem e mal, tampouco com certo e errado, negros e brancos, ou outros dualismos existentes em pequena escala. Na conjuntura atual, vivemos um período de grande miscigenação cultural, antropológica, genética, entre outras formas. A tecnologia e o avanço da globalização vieram para suprimir de vez as distâncias, e as falhas de comunicação. As raças estão miscigenadas, a cultura é livre, amorfa e descentralizada, a política cada vez se torna mais descentralizada, também. Diante das considerações do parágrafo anterior, afirmo convicto que: sociologicamente falando, não há dualismo, de modo algum. A sociedade é constituída por inúmeras massas – massas já complexas e mistas por antecedência – que interagem no globo social de modo irregular e caótico. As ‘massas sociais’ são grupos – dentro da sociedade – que se formam por afinidades, sejam elas: culturais, étnicas, de interesses comuns, profissionais, e/ou específicas. Essas afinidades congregam pessoas das mais diversas origens, índoles e posturas, de modo que uma ‘massa social’ fica completamente mista, amorfa e irregular. Essas ‘massas sociais’, com suas qualidades acima citadas, se relacionam com outras ‘massas sociais’ de modo disforme e irregular, isto é: sem representar vínculo pré-definido, ou pré-determinado. Entretanto, existem grandes possibilidades de algumas ‘massas sociais’ conterem elementos (pessoas) que também participem de outras ‘massas sociais’, fazendo com que exista o ‘bem em comum’, ou seja: a multiplicidade de participação por elementos em diversas ‘massas sociais’. Ilustrando: fulano pertence a ‘massa social’ cultural de fomentação do Hip Hop, entretanto este mesmo fulano participa da ‘massa social’ oficialmente instituída OAB. Este fulano pode participar assim de uma ou mais ‘massas sociais’, dependendo diretamente de seus interesses pessoais, culturais, profissionais e específicos. Como ele também pode participar de uma ‘massa social’, por exemplo, de pessoas que gostam de tomar cerveja com canudinho. Isto seria uma zona de interesse pessoal. Além disso, estas zonas de interesses, que podem ser, como já disse: específicas, profissionais, culturais, étnicas, ou específicas, fazem com que as pessoas se misturem, de uma vez por todas. Uma pessoa branca, que participa de uma ‘massa social’ de exaltação a uma banda de rock, pode participar desta ‘massa social’ juntamente com um negro, que participa também de uma ‘massa social’-partido político, por exemplo. Ou seja, a sociedade se relaciona, se mistura constantemente. Setores políticos, empresariais, religiosos, culturais, pessoas de todos os tipos estão se interligando, cada vez mais, através de uma rede de contatos, uma gama de interesses múltiplos, levando as pessoas ao relacionamento. A unidade desta estrutura social, ainda é desarmônica, ou a unidade absoluta, ou o objetivo final desta estrutura. Pois existem diversas manifestações, no mundo, de descontentamento com esta estrutura desencadeada, que é a globalização. Como amostra destes manifestos temos as guerras, as insurgências, as rebeliões em presídios, e etc. Isto tudo é sinal direto, de que essa interação de ‘massas sociais’ ainda não é efetivamente harmônica, falta suplementar algumas ‘massas sociais’. Falta intercalar e comunizar mais elementos pelas ‘massas sociais’. Quanto mais elementos em mais ‘massas sociais’, mais estas ‘massas sociais’ tolerarão as outras. E assim a interação entre elas, sendo transigente, tenderá à harmonia. A sociologia define métodos e classifica grupos sociais a fim de diagnosticar, prever possíveis ocorrências, e indicar soluções. Desta forma, concluo uma radiografia genérica, resumida e sincretista do panorama social humano, e sua falta de dualismo.

Verossimilhança!

Verossimilhança

 

Semelhante ao semblante enrubescido pelo torpor idiossincrático;

Alterações hepáticas que comovem os músculos faciais;

Cicatrizes estigmatizadas por sua estética agressora e nociva;

Artigos teratológicos ofendendo as pupilas de sóbrios compadres;

Resplandece o fulgor da mutação antropológica.

 

A evolução escarra no sentido lógico e cospe na terapia;

Inauditos se tornam os extasiados pseudo-maldito beneméritos;

Convalescem da luxuria doentia os cegos cacófonos do interior;

Bem quisesse a diretriz arruinada de meu país resguardar a indulgência;

Nem que fosse pelos recônditos descentralizados âmagos da cultura.

 

Sobriedade me pedem os deuses, enquanto exigem virilidade;

Sabedoria contrapondo o arrebatamento do ser exótico e gentil;

Vaidade segregando valores hostis e maximalistas;

Enquanto os minimalistas clamam por perdão, perdão da destruição;

Dor da repulsa cerra os dentes pedindo clemência, saliência prostitutriz.

 

Danoso naufragara com suas vísceras corroídas pelos vermes;

Tinoso sofrera da besta disfunção constitucional;

Fragoso arrependeu-se por ser abastado, doce fragoso arrependido;

Leitoso convergiu na mais profunda agonia por conseqüência de seus atos insanos

E Feitoso se desfez nas lágrimas vis de um herói perdedor.

 

Tiago Muzulon

sábado, março 12, 2005

Pedro fez:

Um belo rapaz amava Juan.
Antonio amava o belo rapaz.
O belo rapaz fazia filmes, e sua irmã neles a punha.
Ela se exaltava, e não queria mais.
Ela tinha problemas, problemas com homens,
Antonio queria o belo rapaz, chamado Pablo,
Pablo queria Juan, mas também Antonio.
Antonio não entendia, quem Pablo queria,
Juan pro farol fora, descansar,
Cartas de Pablo ele tinha de esperar.
Antonio também queria de Pablo a receber,
Palavras que pra ele não hesitava escrever.
Antonio se cansou de Pablo esperar,
Que a Juan, somente, fora visitar.
Antonio ardido, colérico, a Juan fora ver,
Para te-lo, ou a ele exterminar.
Juan não queria Antonio, somente Pablo,
Pablo quando chegara, Juan já estava inclinado,
No abismo da morte eterna, Antonio o inclinara.
Pablo de acidente sofre, e a memória perdeu,
Só ele sabia que Antonio o queria
E a Juan do abismo empurraria.
Deveras Antonio havia feito
Tudo que Antonio temia.
Após dias de amnésia,
Pablo voltou a si,
Procurou por Juan, que não mais estava ali.
Antonio estava com Tina,
irmã de Pablo, uma travesti.
Antonio era louco, amava Pablo,
Fez sequestro, tiro e pancadaria,
Para poder encontrar Pablo assim.
Uma hora se passou, e os dois se amaram,
No leito da cama de Pablo, a cama que nunca vi.
Antonio se consumiu, pelo desejo sucumbiu.
Se suicidou, por um amor que nunca viu.
Pablo agora estava sozinho,
Sem Juan, sem Antonio, que por amor se matara,
Pablo também não mais tinha, seus filmes que tanto amara.

sexta-feira, março 11, 2005

Eu passo o tempo...

Eu passo o tempo. É isso mesmo, não importa o que eu faça, ou o que eu diga: eu simplesmente passo o tempo. E ele parece que não foi feito pra mim. Eu conheci uma pessoa esses dias, no orkut. Ele mora muito distante. Agente tem trocado e-mails. Eu não o conheço e jamais vou conhece-lo. Isto soa sugestivo? Não! Eu sei que agente pode falar qualquer coisa, pois esta pessoa é muito interessante. Mas não é a mesma coisa. O bom é falar de filosofia gesticulando, formando arquétipos no ar, desenhando sistemas, estratagemas. Por e-mail é difícil, mas dá.
O certo e o errado inexistem, o que existe é um conflito constante entre eles que resulta em uma massa amorfa e desigual, o que levaria os parcos a dizerem que existe uma luta entre eles: o certo e o errado. Mas não existe. Existe a justaposição conflitante e impositiva deles dois; cuidado eles vão se fundir, e aí não haverá mais ordem. Se bem que já não há mesmo. Eu acho que preciso de água.

quinta-feira, março 10, 2005

Noite sem fim.

Parece fácil subir pelas paredes quando pensamentos dementes invadem a cabeça. Tudo que é explícito demora demais para ser compreendido de modo correto. As impressões que me rodeiam, eu não sei se são as mais corretas, mas isto tudo: a noite, o dia, o sono, me comove. Eu parecia gostar da velha casa, cheia de velhas pessoas, embebidas no éter do puritismo. Mas agora desgosto, já não suporto até. A verdade é um chicote, que açoita todos os dias o lombo dos pobres coitados. A noite é uma passagem crua, uma estação, para que os ociosos pensem sobre ela e sobre as demais coisas, sobretudo: o ócio. Eu sinto saudade da ocupação. Ela com certeza não me corresponde, eu sempre fui incompetente com ela, nunca soube fazer disto um bom proveito. Os filmes me fazem companhia, a mesma que a menina-dos-lábios-de-mel me fez um dia; mesmo sem ela, sinto-me acompanhado, talvez até bem acompanhado, nesses dias de bobeira. A personificação-feminina-da-luxúria me visitou estes dias. Transamos que nem loucos por três dias corridos, de manhã, à tarde, e de noite. Ao final da maratona exaustiva, eu não queria mais a ver. Sabe, foi aquele sentimento que normalmente acomete os homens quando transam com 'qualquer mulher' em estado de porre. No dia seguinte, a dor de cabeça da ressaca estupra a cabeça do sujeito. O cheiro de sexo podre fede que nem carniça, a 'qualquer mulher' geralmente é qualquer mulher mesmo, e isto tudo é um inferno. Daí o indivíduo se lembra que não cometeu a besteira de levar a 'qualquer mulher' para casa, então sai de fininho, e tenta esquecer. Mas não estava no script eu sentir isso com a personificação-feminina-da-luxúria, era para eu ter gostado dela, esta era a proposta. O problema, é que: quando ela chegou aqui em casa, eu não agüentei a ninfomania desenfreada dela. Eu sou um garoto doce, apesar de tudo. Eu gosto de conversar, olhar nos olhos, beijar longamente, trocar duas ou três palavras em intervalos de trinta a quarenta minutos e sentir o tempo passar. Depois que os dias de agonia com a 'personificação-feminina-da-luxúria' fugiram espantados, eu senti saudades da menina-dos-lábios-de-mel. Ela era doce, assim como eu, e sabia transar sem exceder. E assim os dias passam, na casa azul, perdida no meio da cidade azul, cheia de pessoas azuis. Eu não vou ficar azul. E meus dias agora já, enfim, estão contados.

domingo, março 06, 2005

Diálogo com minha avó:

Esses dias minha avó me abordou com a seguinte pergunta:
- O que fazem os escritores?
- Escrevem. – Eu a respondi.
- Mas eles escrevem o que?
- Qualquer coisa.
- Mas... qualquer coisa... qualquer coisa o que?
- Oras vó, o papel aceita qualquer coisa que você escreve, então os escritores escrevem qualquer coisa... qualquer coisa que eles escrevam o papel aceita. Entendeu?
- Mais ou menos.
- O que não entendeu?
- Mas... e o que é a literatura?
- São escritos de escritores, mas a literatura tem, digamos assim, alguma arte envolvida.
- Hum... alguma arte envolvida?!
- Isso mesmo. Escritores escrevem qualquer coisa, e uma dessas coisas que escritores escrevem é a literatura; a literatura é algo escrito que contenha alguma arte, por exemplo os romances que certamente, em seus tempos ginasiais, você fora obrigada a ler.
- Então Machado de Assis, Érico Veríssimo e Basílio da Gama, foram escritores de literatura?
- Sim, exatamente.
- E quem são os outros escritores?
- Olha vó, existem poetas como João Cabral de Mello Neto, Olavo Bilac, dramaturgos como Ariano Suassuna, Rachel de Queiroz, cronistas como Rubem Fonseca, João Paulo Cuenca, contistas como Carlos Drummond e por aí vai; dentro da literatura existem várias ramificações.
- Hum, entendo. Mas eu achava que ser escritor era tudo isto.
- Mas é tudo isto, e talvez mais um pouco.
- E Rui Barbosa? Ele não era escritor? Eu vi esses dias na minissérie da Globo que ele era político. Como assim escritor e político?!!
- Oras vó, as pessoas podem ser encanadores e datilógrafos, engenheiros e pecuaristas, marceneiros e poetas, e porque não escritores e políticos?!
- É verdade, ele era um grande homem então, se ele conseguia ter duas posições distintas: escritor e político.
- Sim, mas vários tiveram várias posições também, por exemplo Leonardo da Vinci: ele foi escultor, pintor, cientista, escritor, inventor, arquiteto e vishi, muitas outras coisas...
- Nossa, eu não sabia disso. Mas, o que são ramificações, que você disse agorinha?
- Puxa vó, to cansando, isso é assunto para outra hora. Tudo bem?
- Ta bom, eu preciso mesmo ralar mais queijo lá na máquina, amanhã preciso entregar doze pacotes de pão-de-queijo no Santo Antônio.

Tiago Muzulon

Diálogo de uma tarde de domingo

- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Posso fazer uma pergunta ao senhor?
- Sim, claro.
- Como vai o senhor?
- Eu vou bem, obrigado.
- O senhor não pode ter me compreendido, eu quero saber como vai o senhor?!
- Eu já disse que vou bem.
- Conte-me sobre seus problemas. Você os tem?
- Claro, todos nós temos. Hum, deixe-me pensar, eu tenho uma filha grávida. Transou com um delinqüente e ele a engravidou.
- E o que o senhor pretende fazer com isto?
- Nada.
- Como assim nada?
- Eu pretendo fazer nada, o filho é deles, eles que se danem com ele. Eu vou fazer o que sempre fiz, cuidar de minha filha, desprezar o delinqüente, e seguir minha vida.
- Mas e a criança?
- Eles que cuidem dela.
- Mas sua filha, e o delinqüente tem modos de subsistência?
- Não sei, talvez eles agora passem a ter. Não me interessa.
- Tudo bem. E o que mais? Que outros problemas o senhor tem?
- Minha mulher não quer mais saber de transar comigo.
- Ah é? E o que o senhor pretende fazer com isto?
- Não sei ainda. Pensei estes dias em estupra-la, mas achei que não seria uma boa idéia.
- Por que não seria uma boa idéia?
- Ah, sabe como é, ela é minha mulher, afinal de contas, não posso trata-la como uma cadela ou uma puta dos vários cabarés que já freqüentei.
- E por que não pode trata-la assim? Só porque ela é sua mulher?
- Sim, você não é tão esperto quanto parece.
- Mas deve haver mais motivos para não trata-la assim.
- Há, rapaz; um dia eu amei aquela escrota, e isto eu respeito.
- Mas então que outra solução o senhor teria para que ela voltasse a transar contigo?
- Acho que vou ter que me desdobrar, ser carinhoso, dar presentes caros praquela safada interesseira, e você sabe, este tipo de coisa. Ou então desisto logo de vez e parto para os cabarés deste mundão doido aí.
- Certo, há algum outro problema?
- Que queira comentar não.
- Tem certeza?
- Sim. Alias, isto vai sair no jornal?
- Talvez.
- Então eu quero dizer praqueles malditos sem-terra saírem das minhas terras. As terras que eu lutei muito para consegui-las.
- E como o senhor as conseguiu?
- Ah, você sabe como é, né meu rapaz. Você é jovem mas não deve ser bobo. Eu ‘herdei’.
- Como assim ‘herdou’?
- Meu padrinho me passou uns esquemas aí de papeladas, burocracia e esse tipo de coisa. Aí eu ganhei umas terrinhas boas. Daí vem esses sujeitinhos preguiçosos e querem terra assim, de graça. Eles que vão para o quimba! Eu dei duro para movimentar toda esta papelada.Obrigado senhor. Tenha um bom dia.

sábado, março 05, 2005

Para quem não entendeu, não importa.

Para quem não entende coisa alguma deste mundo louco: não importa. Vossa redenção chegará mais rápido que vos podeis esperar, jubilosos leitores. E ela ainda teve a ousadia de me remedar, dizendo: "Eu sei quem é o melhor limpador de piscinas do mundo, eu sei, só eu sei, mais ninguém!".

Saudações.

Bom dia, boa tarde, boa noite. Seja bem vindo(a) a mais este antro de displicencia renitente emaranhado neste turbilhão chamado internet; fecundaria do caos e da falta de escrúpulos. Sou, apenas, mais um diligente operário de toda esta solícita expressão de desatino. Obrigado pela atenção.

E isto vai para ela, que me fez sentir, um dia:

A minha doce indiazinha

Todos os dias eu acordo sempre igual,
Envelheço no espelho com minhas vãs preocupações,
O telhado parece chamuscado por centelhas de meus pensamentos,
Que só servem para chamuscar o telhado de centelhas rebarbativas.

Os homens clamam por tolerância, conquanto se regozijem com o pranto,
As chamas gratuitas de sua metralhadora, agora ofende minhas pupilas faiscantes.
Preciso dizer: eu não sei morrer, ainda não tenho preparo,
E você responde, somente, que não sabe o que responder.

A doce menina não mais voltará, para meigos contos me ninar.
Eu sinto falta dos dias chuvosos de verão, e dos filmes enfadonhos que você, amorosamente, me obrigava a absorver.
Sinto falta de teus lábios carnudos sabor mel-com-amor.
Sinto muito a ausência de tua voz choramingosa ao telefone, me pedindo mais uma vez para voltar, de meus delírios noturnos e expansivos.

Tudo se foi, deveras, assim o quis, o pai dos deuses.
Apesar de que tudo flui, incessantemente, meu estado dormente não se esvai.
As gotas do orvalho da manhã de primavera, agora, me comovem tanto quanto a morte cruel de uma libélula esvoaçante.
Eu preciso de fogo, você tem?
Para controlar o incêndio desmedido que assalta meu punho fechado banhado em liquido rubro, chamado coração – que seja dito de passagem.

Ainda sonho, a surpresa ainda existe, a vida, ainda, não acabou.
Algum dia, talvez, poderei partilhar novamente contigo,
E assim não mais hesitarei em colorir seus mais lindos sonhos,
Que sempre clamaram por meu toque indecente, abjeto e indigno,
De tocar sonhos tão belos como os seus, minha doce indiazinha.